Por que criar uma rotina é tão importante?

Vários documentos que trazem recomendações sobre como lidar com o coronavírus enfatizam a importância de estabelecer uma rotina para preservar a saúde mental. Antes mesmo disso, best-sellers como Arrume a sua cama (William McRaven) e outros atribuem à rotina o segredo do sucesso. No entanto, não fica claro o que torna essa organização doméstica uma grande vantagem no cotidiano de uma pessoa.

Precisamos de marcadores temporais

Os gestores de tempo adoram comprimir o dia numa lista de tarefas e supervalorizam a produtividade, como se não houvesse nada na vida além do trabalho. No entanto, sobretudo neste momento de isolamento, todos necessitam de marcadores temporais para dividir o dia em momentos distintos e, assim, construir referências dentro das 24 horas.

Antes havia hábitos, deslocamento e mudança de ambiente que ajudavam na construção desses marcadores. Trocar de roupa para começar o dia, dirigir ou tomar um transporte público e chegar na escola ou no ambiente de trabalho eram nossos marcadores. Anoitecer e sair do trabalho, principalmente, marcavam a transição do ambiente de trabalho para casa. Isso tem se perdido de maneira dramática para crianças e adultos, que não sabem mais quando estão em família e quando estão estudando/trabalhando.

A dificuldade de manter uma rotina diante de demandas não programadas tem sido uma das principais queixas nesse período de pandemia. Como escolas e instituições estão ainda se adaptando, as famílias precisam sempre conciliar diversos interesses dentro de casa e, portanto, estão constantemente buscando estabelecer referências e hábitos que promovam uma vida saudável.

Precisamos de limites

Outro grande problema que o isolamento acentuou foi a ausência de limites. Se antes disso tudo já se falava de uma sociedade de não consegue estabelecer limites, agora é possível notar o quanto eles são importantes.

Desde a dificuldade de cumprir o limite mínimo de 2 metros de distanciamento social até a marcação de fronteiras dentro de casa, percebe-se como isso merece cada vez mais atenção nos nossos tempos. As famílias discutem para redefinir espaços, tarefas e restrições no ambiente doméstico. A rotina é uma síntese estruturada desses limites. Um deles que tem se destacado é o limite na alimentação, e como parece difícil estar em casa e criar uma nova rotina alimentar, sem acesso ilimitado a doces, por exemplo.

Os pais também reclamam que os filhos querem uma relação sem limites com dispositivos eletrônicos para lazer e não conseguem ficar diante dessas telas para estudar. De fato, esse tema não é novidade e o que existe agora é um sintoma social alarmante que revela o sofrimento de lidar com qualquer tipo de restrição. A rotina saudável representa também um certo nível de proibição e, mais ainda, requer um grande nível de sensatez para que não se exagere na dose.

Sendo assim, a rotina é fundamental para manter a sanidade porque é nela que se encontram os limites e as referências para o mínimo de ordem psíquica. Os marcadores temporais, tão difíceis de serem cravados em ambiente interno sem a luz solar, são trilhas mentais para fazer funcionar aquilo que não pode parar. A rotina é uma ficção necessária, pois não é uma realidade em si, mas uma construção estruturante da nossa ação no mundo.

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