O impacto do isolamento nas rotinas familiares

Desde a metade de março deste ano tenho reunido relatos sobre as mudanças na rotina das famílias que acompanho. Como um terapeuta sistêmico, percebi que duas mudanças geraram uma enorme carga de estresse para aqueles que têm crianças em casa: a ausência de uma pessoa contratada para as atividades domésticas e a suspensão das aulas. Além desses fatores, em alguns casos o teletrabalho tem sido uma situação que vem contribuindo para o esgotamento familiar.

A relação das famílias com o lar tem se transformado drasticamente. Se a casa era o ambiente onde muitos chegavam ao final do dia para praticamente tomar banho e dormir, esse ambiente representa agora um espaço de relações intensas, tanto pelos cuidados domésticos como pelo convívio com a família. A falta de alguém para cozinhar, limpar e passar fez a família improvisar uma nova rotina. Digo improvisar porque não houve tempo para planejamento e as pessoas ainda estão descobrindo como conciliar os cuidados da casa com as demais obrigações. Nesse sentido, os papéis familiares estão sendo negociados e redefinidos à medida que essa realidade se mostra duradoura.

No que diz respeito aos estudos de crianças e adolescentes, a situação tem sido mais complicada. A disponibilidade dos pais é muito variada para acompanhar os filhos e as escolas não apresentam um modelo eficiente para lidar com todos os casos. Algumas instituições de ensino levaram o modelo de sala de aula para a internet, o que resulta em sobrecarga de tempo de exposição dos alunos à tela. Outras demandaram muito os pais, que já se encontram excessivamente exigidos pelo teletrabalho. Infelizmente, pais e filhos não tiveram um período de transição para esse atual funcionamento e as dificuldades de adaptação não recebem o suporte necessário.

O resultado dessas mudanças somados ao estresse natural do confinamento aumentam a pressão sobre a família, o que pode agravar quadros de depressão e ansiedade já existentes. Também é possível que os casos de alcoolismo e compulsão alimentar tenham destaque nesse período de pandemia, uma vez que a recaída é frequente em situações de forte conflito. É importante que as famílias abandonem qualquer expectativa de performance no trabalho ou na escola e se dediquem a administrar o estresse, criando um clima de tranquilidade e colaboração dentro de casa.