Lendo a autobiografia de Oliver Sacks, “Sempre em movimento: uma vida” (Companhia das Letras, 2015), reconheci num caso clínico de Sacks o papel do bode expiatório como portador do sintoma familiar.
O autor conta que certa vez recebeu um rapaz que se queixava de enxaqueca e, ao examiná-lo, sugeriu que ele tomasse uma medicação. Alguns dias depois o rapaz lhe disse que as dores de cabeça haviam melhorado muito, mas quando Sacks voltou a ligar para o paciente uma semana depois, ouviu dele que se sentia entediado pela falta de atenção da família. Por causa da doença, recebia a visita dos parentes e isso havia deixado de acontecer com a melhora da enxaqueca.
Em contato com a irmã do paciente, Sacks soube que em seguida o rapaz apresentou um quadro de asma. Diante da possibilidade de tratar a asma, os dois conversaram sobre como seria a vida do paciente se não tivesse a atenção da família por causa de alguma doença. No livro, o neurologista afirma que em vários casos tinha que observar outras questões da doença, inclusive a psicológica. O que ajudou nesse sentido foi o fato de Sacks fazer análise durante grande parte da sua vida.
Não sei o quanto Oliver Sacks teve contato com a teoria sistêmica, mas esse caso clínico tem grande semelhança com a descoberta do Grupo de Palo Alto a respeito da esquizofrenia. Sempre que os pacientes esquizofrênicos apresentavam melhora da doença e retornavam às famílias, os sintomas se agravavam e em pouco tempo estavam de volta ao hospital psiquiátrico.
Em ambas as situações, é possível perceber que o sintoma do paciente tem uma relação de dependência com a família. A enfermidade do paciente depende da família e a família dela. A teoria sistêmica oferece uma perspectiva para entender e tratar sintomas que envolvem esse tipo de dependência, em que o paciente é considerado o portador de um sintoma responsável pelo equilíbrio familiar.