Qual o papel da internet no suicídio de jovens?

Recentemente, o tema suicídio passou a ser amplamente discutido na mídia por especialistas e outros profissionais de saúde mental. Da forma como o fenômeno vem sendo discutido, já é possível notar um avanço em relação ao tabu em torno do assunto, porém tenho observado com atenção quais os culpados eleitos por alguns especialistas.

Como pesquisador do tema obesidade, acredito que o suicídio também é motivado por vários fatores e não me parece produtivo tentar isolar uma única causa para esse tipo de morte. A maior questão neste momento me parece ser como e onde os adolescentes expressam (quando expressam) o seu sofrimento, uma vez que sabemos que o suicídio representa o fim de um sofrimento insuportável para eles. Li a coluna da Eliane Brum no El País e refleti bastante sobre a “culpa” da internet. Será que ela é principal culpada pelo aumento na taxa de suicídio entre adolescentes?

Não consigo identificar a internet como o vilão nesse caso, pelo contrário, acredito que os pais apresentam dificuldade de aceitar que esse universo já é uma realidade. A partir do momento que isso for entendido, os pais deixarão de proibir o uso de dispositivos eletrônicos (o que não tem surtido efeito) e começarão a entender como os jovens se comunicam e usam a internet nos dias de hoje. Embora a teoria de Bauman seja indubitavelmente importante para compreender o momento em que vivemos, considero que o papel da internet nas relações contemporâneas é muito mais complexo do que o sentido da liquidez.

Se há um lugar onde os adolescentes (e adultos) conseguem expressar o seu sofrimento é a internet. Talvez seja ainda difícil, sobretudo para um psicólogo, tentar conceber como isso pode ocorrer de maneira saudável sem uma figura de mediação. Contudo, esse espaço de continência para as emoções também acontece nos grupos de WhatsApp e ali também não há qualquer estrutura para lidar com as inquietações que sempre surgem. A mediação das relações nesse espaço de infinitas possibilidades que é a internet tem sido algo pouquíssimo refletido, mas acredito que deveria haver investimento nesse cenário futuro que já é presente (como vejo na série Black Mirror).

A moderada restrição do uso da internet é importante, mas não sou a favor do distanciamento. A internet hoje é tão importante quanto a energia elétrica e estará cada vez mais presente como ferramenta de trabalho. Existe expressão das emoções nesse universo, principalmente por meio das carinhas ou emojis, e os pais precisam decifrar essa linguagem e esse universo se querem realmente compreender a dor dos filhos. Ignorar esses códigos é mais uma forma de desqualificar o que os adolescentes sentem.

A visibilidade que os adolescentes buscam ocorre ao vivo, nas redes sociais. Fora delas é quase impossível ter acesso aos seus sentimentos e isso não vai mudar pela proibição da internet. Acredito que não é hora de condenar os jovens pela suposta fraqueza, como tenho visto frequentemente, mas de ter acesso aos códigos deles e, decifrando a sua dor, compreender melhor os nossos tempos.

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