Mais compaixão e menos positividade tóxica na pandemia

Desde o início da pandemia, fomos confrontados a lidar com a impotência, a cultivar a espera(nça) e a tolerar dores e incertezas. A partir da segunda metade do século XX, multiplicaram-se as promessas de cura emocional rápida por meio de técnicas de autoajuda e, atualmente, vivemos uma espécie de surto de positividade.

Nietzsche dizia que “tudo o que não me destrói, me fortalece” e propôs, a exemplo de vários outros pensadores alemães modernos, um método introspectivo e escrutinador do psiquismo, sem barganhas nem complacência. Na sequência, tivemos Freud devassando os quartos escuros da mente (inconsciente) e sentenciando: “O homem não é mais senhor em sua própria casa.”

A negação dessas camadas profundas e a simplificação do psiquismo ganharam uma avenida na literatura de autoconhecimento dos Estados Unidos, deslocando o foco do sofrimento para o pensamento positivo e o convertendo em sinônimo de saúde mental. Essa falta de espaço terapêutico para conter a angústia e as dúvidas existenciais vem sendo chamada de positividade tóxica.

O exercício da escuta não deve estar associado a uma mensagem textualmente positiva, já que a escuta em si já é terapêutica. Pelo contrário, ela deve estar a serviço do sofrimento psíquico para abarcá-lo, e na maior parte das vezes oferecendo um conforto silencioso a fim de não interferir no processo do paciente.

A positividade tóxica pode ser um subterfúgio para que o próprio psicólogo se poupe de entrar em contato com o sofrimento psíquico do outro, contribuindo para um sentimento de culpa do paciente que, em geral, não sente facilidade de compartilhar as suas dores mais íntimas. Além disso, há o perigo de que o terapeuta assuma o protagonismo da narrativa e, com isso, um papel professoral na relação. Muitas abordagens acreditam na intervenção psicoeducativa que, não raramente, rouba do paciente o seu espaço de fala.

O peso do paciente deve ser tolerado pelo psicólogo e não pode ser interpretado como algo negativo. Do contrário, não haverá permissão no setting para expressar esse tipo de conteúdo. Cedo ou tarde, falando sobre isso, o paciente assumirá a responsabilidade de digerir e (re)elaborar essa fala até que ela construa um sentido coerente em sua vida.

Refletindo sobre A insustentável leveza do ser, Milan Kundera ressalta um aspecto dessa carga existencial: “(…) o que faz a grandeza de um homem é ele carregar seu destino como Atlas carregava sobre os ombros a abóbada celeste.” O papel da psicologia, da filosofia e da literatura de autoconhecimento deve ser incentivar o indivíduo a olhar com autocompaixão o seu próprio peso e entender que sempre existe algum peso a se carregar nas relações humanas, ainda que ele não seja sentido nem esteja visível num primeiro momento. Essa perspectiva torna um relacionamento real e enfatiza a necessidade de que o casal desenvolva habilidades e cumplicidade para manter a conjugalidade funcional.

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