A vida em des-re-equilíbrio

Ao contrário do que muitos imaginam, não há equilíbrio constante, mas um movimento contínuo para alcançar essa condição

Um dos conceitos mais interessantes da teoria sistêmica é a de equilíbrio dinâmico. Se há alguma associação entre equilíbrio e felicidade, podemos imaginar que essa relação é extremamente frágil, pois o organismo está o tempo inteiro lutando para readquirir a sua situação de equilíbrio. Passamos mais tempo em busca do equilíbrio do que equilibrados, tendo em vista todas as circunstâncias que são capazes de perturbar o nosso estado ideal.

Quando pensamos no corpo humano, é fácil compreender que ele está em permanente atividade para neutralizar os desvios que causamos. Esse esquema de retroalimentação ou feedback é chamado de negativo quando tende a reduzir o desvio, ou seja, quando caminha na direção do equilíbrio; e de positivo, quando tende a aumentar o desvio e, consequentemente, o desequilíbrio. Esses conceitos foram bastante desenvolvidos por uma teoria chamada Cibernética, uma versão mecanizada da Teoria Geral dos Sistemas.

Contudo, faltou um aspecto fundamental à Cibernética e que foi bem desenvolvido por outras teorias: o organicismo. Ou seja, faltou vida, autonomia. O nosso corpo tem a capacidade de criar seus próprios caminhos e alcançar as suas próprias soluções. O equilíbrio não é produto de engrenagens ajustadas para alcançar um determinado resultado, mas da interação de partes autônomas que possuem em si um grau ainda desconhecido de inteligência. A dificuldade de determinar a mesma resposta de recuperação tem a ver com essa imprevisibilidade do organismo. A reflexão em torno do tema resiliência também envolve o caráter orgânico e individual para resistir a um certo estímulo de estresse.

busca por equilibrio
Passamos mais tempo na busca pelo equilíbrio do que em equilíbrio

O sistema mente-corpo em movimento: uma nova concepção de equilíbrio

Embora a teoria sistêmica não seja recente, o conceito de equilíbrio dinâmico em saúde mental ainda é algo incomum. De modo geral, ainda consideramos que um indivíduo é equilibrado ou desequilibrado, sem as devidas ressalvas. A concepção dinâmica de mente e corpo tem sido mais uma herança das filosofia e psicologia orientais, sobretudo quando abordam a saúde sob o ponto de vista das energias. A acupuntura é um bom exemplo disso e, se não fosse uma terapia eficiente sob a ótica ocidental, não estaria sendo disputada por várias especialidades da saúde.

A mente saudável, por assim dizer, também está em desequilíbrio. As relações saudáveis também estão em desequilíbrio. O meio ambiente também está em desequilíbrio. E mais: se passamos muito tempo em “equilíbrio”, é possível que se desenvolva uma dificuldade para a mudança e aí estaremos diante de um ponto de equilíbrio patológico. A rigidez na psicologia é indesejável, já que são muitos os momentos da vida normal em que a mudança é extremamente necessária, ainda mais no mundo atual.

Assim sendo, como psicólogo, não vejo a saúde sob a ótica do equilíbrio, e sim por meio da capacidade da pessoa de se reorganizar. A saúde mental, portanto, demanda flexibilidade e trabalho para se manter sã. Não há um cume a ser tomado, de onde poderemos comemorar um estado mental permanente e vitorioso. Pelo contrário, a luta bem-sucedida pelo equilíbrio está relacionada à aceitação de que passamos a maior parte do tempo caminhando e batalhando. O equilíbrio é a utopia sobre a qual Eduardo Galeano falava em um de seus vídeos: “Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.

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