O contexto da relação de casal

Em 24 de janeiro de 2016, o Correio Braziliense publicou uma matéria com o título “Estratégias do amor”, baseada num artigo recente publicado por pesquisadores brasileiros e estadunidenses a respeito das táticas usadas em relações conjugais para manter o vínculo com o(a) companheiro(a). A pesquisa em questão envolvia participantes da cidade de Fortaleza e destacou comportamentos, sobretudo das mulheres, envolvendo uma preocupação com a infidelidade do cônjuge.

O próprio artigo faz ressalvas em relação a outras regiões do país marcadas por um cenário cultural diferente, fator que poderia interferir nas respostas dos participantes. O contexto é importante não apenas pelo aspecto cultural, mas por permitir uma leitura holística dos relacionamentos que supera um simples entendimento de causa-e-efeito.

A comunicação do casal

A abordagem sistêmica rompeu com o esquema causa-e-efeito que ainda hoje é bastante utilizado pela psicologia em geral. Os sistêmicos abandonaram o modelo causal, em que a maior preocupação é o porquê de determinado comportamento, e apostaram no como ocorrem as relações. Em outras palavras, os psicólogos deixaram de investir tanta energia para descobrir as causas ou motivações de um comportamento para tentar compreender como se organizam as relações.

comunicação_casalAs relações se organizam, frequentemente, na forma de função, conforme a pauta pontuada por uma das partes. “Eu me comporto assim porque ele(a) se comporta dessa maneira”, o que, por sua vez, provoca um certo comportamento no(a) outro(a). Essa sequência de comportamentos forma numa pauta de comunicação que pode adquirir significados diferentes de acordo com o recorte apresentado por cada parte e prosseguir infinitamente. Além da sequência, a comunicação também deve ser analisada de acordo com o seu conteúdo e a (in)coerência das suas formas de expressão (verbal e não verbal). Na comunicação funcional ou saudável, todos esses elementos devem ser claros e coerentes entre si, formando uma mensagem inteligível.

Essa explicação é importante para assimilar a força do contexto, um aspecto imprescindível para compreender as relações de casal e que enfatizei na entrevista para a matéria. O terapeuta sistêmico não entende um comportamento como causa de outro, mas analisa a sequência de comportamentos que corresponde a um determinado padrão de comunicação. A intervenção deve ocorrer na organização da comunicação, seja qual for o ponto, pois a mudança de um ponto repercute nos demais pontos do sistema conjugal.

Padrões da relação conjugal

Os padrões de interação estabelecidos nas relações de casal dependem de uma série de fatores, entre os quais podemos citar: padrões estabelecidos nas famílias de origem de cada cônjuge, contexto cultural (onde e quando) em que viveram, redes de relacionamento nas quais a família está inserida, estágio do ciclo de vida familiar em que se encontram, etc. Não é possível analisar a relação de casal sem considerar as mudanças que ocorrem nas relações de gênero ao longo de um determinado período e num determinado local. A abordagem sistêmica reconhece o caráter dinâmico das relações familiares, levando em consideração todos os fatores que produzem o contexto e exercem influência no sistema para, só então, realizar uma análise satisfatória.

Por isso, fiz uma série de considerações sobre as táticas apresentadas nos estudos, uma vez que seus dados precisam ser analisados com parcimônia. Em vez de analisados isoladamente, como terapeuta sistêmico, acredito que esses dados seriam muito mais proveitosos se analisados na riqueza da interação. Sendo assim, também penso que os métodos de pesquisa para estudo da relação conjugal devem privilegiar a relação mais do que a opinião de cada um separadamente.

Estratégias x Padrões

As estratégias de relacionamento de casal podem ser analisadas conforme um contexto maior, por meio do qual é possível identificar padrões. Para cada estratégia de um cônjuge, provavelmente será usada outra pelo seu(sua) parceiro(a). A análise dessa interação é extremamente complicada por envolver a análise de outras interações familiares, necessárias para compreender a formação de padrões relacionais. As expectativas construídas entre as gerações das famílias de cada cônjuge auxiliam na compreensão das expectativas desenvolvidas entre os cônjuges.

O estudo citado e a matéria do Correio Braziliense são muito interessantes para entender os comportamentos usados pelas pessoas para manter uma relação a dois, mas não se pode esquecer que a comunicação é uma dimensão extremamente complexa da relação de casal e nos leva muito além da leitura linear de causa-e-efeito.

Para quem não leu a matéria e tem interesse, deixo a imagem logo abaixo.

Correio Braziliense_Estrategia do Amor

Referência:

Watzlawick, P., Beavin, J. H., & Jackson, D. D. (1999). Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação (12a ed). São Paulo: Cultrix.